A minha primeira maratona foi PERFEITA!
Não imaginava vir cá dizer-vos isto mas foi exatamente assim
que a senti. Não corri os 42.195km, é verdade. Mas no fundo, corri imenso!
Vamos por partes.
Resolvi estar em Aveiro para apoiar os meus. Se é verdade
que fui inundada por uma tristeza gigante quando fui obrigada a desistir de
correr a prova, também é verdade que nunca desisti de apoiar aqueles que se inscreveram,
em grande parte, por insistência minha, e a quem desejava o melhor. Como estava
no Porto foi “só” levantar-me às 5:00h, apanhar um comboio em Campanhã às 5:59h
e às 7:10h já estava no Centro de Congressos de Aveiro, a sentir o cheiro do
porco no espeto que a essa hora já estava a sentir as brasas.
Vou deixar as partes chatas de lado porque não me apetece
escrever sobre elas. O que vos quero dizer é que estive ao km 8, ao km 10, ao
km 38 e perto do km 42. Mas foi no km 38 que descobri o outro lado de uma prova
deste género. O lado de quem sofre do lado de fora por ver o sofrimento do lado
de dentro. O lado humano de quem não corre para passar a meta mas para que
outros o façam. Inicialmente eu batia umas palmas e dizia uma ou outra palavra
para aqueles atletas que iam passando mas, com o passar do tempo,
entusiasmei-me! Passaram a ser todos meus atletas, meus companheiros de corrida
e de loucura! Passei de umas palminhas a umas palmas a valer, ao ponto de ficar
com as mãos vermelhas e a latejar. Passei de uma ou outra palavra para gritos
de incentivo que até faziam alguns tirar os phones não fosse ser um alerta de
incendio por parte da organização. E passei de estar parada a correr algumas
dezenas de metros com quem chegava àquela rua mais em baixo ou a caminhar.
Nisto devo ter corrido alguns quilómetros, mas nem os senti! E não imaginam a
satisfação de ver um sorriso como resposta a uma piada parva ou um trote para
quem achava que já não conseguia voltar a correr.
A técnica era sempre a mesma: ler o nome no dorsal e meter
conversa que, no geral, ou distraia das dores ou lembrava o objetivo.
- Senhor Alfredo, bonito nome, é o nome do meu pai. O que
são 4 km para quem já fez 38? A meta é já ao virar da esquina, mas cuidado com
o sol!
- Es mi segundo maratón, hice sevilla el año pasado.
- Castelhano não falo muito bem mas sei que em Espanha o povo
é diferente. Agora já tem “dos maratones en el curriculum”! Esta também já
está!
- Sí, si!
- Senhor José anda a mostrar ao novos como é que se corre
uma maratona não é? Que idade tem?
- 68 anos
- Quantas maratonas já fez?
- 65, já a contar com esta!
- Olhe, vou voltar para trás que o senhor é que percebe
disto, não precisa de mim para nada!
- Senhor Urbano, já sente o cheiro do porco no espeto? Quem
tem fome não sente dores!
- O senhor é do Benfica?
- Sou pois!
- Então hoje festeja duas vezes: a passar a meta e a passar
para o 1º lugar!
E pronto, coisas deste tipo. Consegui até contagiar o senhor
agente da PSP que estava por perto, ele já avisava os atletas à entrada da rua “nesta
rua não se pode parar, aproveitem a sombra!”. Houve tempo para ajudar um atleta
que caiu com cãibras e usar do meu spray milagroso nos músculos de uns quantos que
estavam mesmo a precisar.
Tive pena de não ficar ali até o último atleta passar mas o
meu maior compromisso era com a Agri. Ao longo da prova percebemos que ela
ouvia as mensagens que lhe escrevia no live tracking do Endomondo pelo que, de
vez em quando, lá ia eu ao telemóvel ver onde ela andava e enviar umas palavras
de ânimo para a distrair das dores.
Ela chegou, logo depois do João Lima com quem troquei umas
palavras. E o sorriso dele dizia tudo: sabia que ia acabar. Sabia ele e sabia
eu! Seguiu o seu caminho e eu voltei (mais uma vez) para o início da rua. Lá
vinha ela, a minha lontra energética dobrou a esquina e eu fui na direção dela
a gritar. Acho que estava tão excitada que ela deve ter achado que andei a
fumar umas coisas (juro que não!). Era o entusiasmo por vê-la ali, com 38km nas
pernas, firme, cansada mas determinada, como sempre! Suor nem vê-lo, como
sempre também! :P Disse-lhe que fizesse um último esforço, a meta estava tão
próxima que não havia dúvida que à minha frente estava uma bi-maratonista!
Prometi-lhe que correríamos juntas o último km, ela não podia era acelerar que
eu ainda tinha a tralha para carregar até à meta! Deixei-a ir e atalhei caminho
a passo rápido. Deixei as minhas coisas junto à meta, voltei para trás e corri as
últimas centenas de metros com ela e com o grande João Lima, uma das nossas
maiores referências e inspirações neste mundo. E que bom que foi correr ao
vosso lado! Que privilégio! :)
Depois, na reta final, a Aurora Cunha veio buscá-los e eu
abrandei e deixei-me ficar, vendo-os passar a meta de mãos dadas e braços no
alto. Que bonito momento!
E foi assim a minha primeira maratona, perfeita! :)
Este artigo deixou-me... tu percebes! :)
ResponderEliminarMuito e muito obrigado pelo grande apoio que deste. No final não podia responder mais mas isso também deves ter compreendido pois ia morto ("nunca vi um morto a rir" disse o polícia que contagiaste") :)
Não tenho mais palavras! Sei que um dia serás tu do lado de dentro. E mereces bem!
Beijinhos
Obrigada, João!
EliminarFoi um gosto, mesmo! Um dia estarei eu do lado de dentro dessa grande prova, tenho a certeza!
Um grande beijinho e boa recuperação!
Estivemos tão perto uma da outra!
ResponderEliminarEu estive nos km 7.5, 11 e qualquer coisa, 15.5 e 36. Para além da partida e da meta!
Gostava de ter esperado para ver a Agri acabar mas tive de "prestar auxilio" ao André.
Aliás, ele acha que te viu no km38 mas que tu não o terás reconhecido.
Ainda bem que não nos cruzámos, assim os atletas tiveram o dobro do apoio! Ahahahah
EliminarDiz ao André que eu demorei a reconhecê-lo, é verdade. Tive um daqueles pensamentos "Eu conheço aquela cara..." mas quando finalmente se fez luz e percebi que era ele virei-me para trás e gritei "Quando é que acaba!?" mas acho que já não fui a tempo de me fazer ouvir!
Parabéns para ele e para ti que o acompanhas nesta maluqueira!
Miúda! O sentimento de hoje é igual ao que tive ontem ao ler este texto pela primeira vez... É inevitável não ficar emocionada!
ResponderEliminarNão imagino a dualidade de sentimentos que tivemos ao longo dos últimos dois meses, e, sobretudo, dos últimos dias. Fico verdadeiramente feliz por saber que conseguiste viver a tua primeira maratona desta forma tão feliz e gratificante!
Tu não imaginas, porque quem vai a correr nem sempre o consegue expressar, mas cada frase de apoio, cada sorriso, cada bater de palmas, vale ouro e empurra-nos mais um bocadinho. Se calhar, imaginas, porque na meia sucede o mesmo... Mas o que tu fizeste, por mim, e por centenas de outros atletas, não tem preço. Foste incrível e foste uma das razões de eu ter cortado aquela meta!
Muito, muito obrigada! E vou lá estar quando for a tua vez :)
Agri, eu tive algumas pessoas que me disseram "só pelo incentivo já faço mais 500m" e outros (muitos) que vinham a passo e começavam a correr quando me ouviam. Por isso, sim! Senti que ajudei... mesmo os que resmungaram! :P
EliminarFoi mesmo gratificante! E ainda bem que ter de desistir da prova não me fez desistir do meus, e depois dos outros. Porque é dando que se recebe, e eu recebi imenso! :)
EliminarVais lá estar vais, só temos de decidir onde e quando!
Beijinho minha lontra!
O que já ri ao ler isto e também quase, mas só quase que hoje nem desfiz a barba, a suar dos olhos...
ResponderEliminarGesto muito mas mesmo bonito.
Um destes dias és tu que lá estarás a 4 km de acabares a tua primeira maratona.
Suar dos olhos só em momentos muito especiais, Tipo passar a meta de uma maratona!
EliminarMuito obrigada pelas tuas palavras! Conto estar a 4km da meta da minha primeira maratona assim que tiver oportunidade para isso
Espetáculo! Nunca assisti a uma maratona, mas é algo que tenho mesmo que fazer. E imagino essas mensagens no endomondo ahah
ResponderEliminarSó depois de lhe enviar um ou dois incentivos é que me apercebi que na aplicação dizia "only in english". Comecei a pensar que certamente seria um robot definido apenas para ler inglês e passei a enviar-lhe mensagens em inglês. Mas depois pensei que em inglês era demasiado impessoal e nunca passa com o mesmo entusiasmo e volta e meia enviava uma em português...
EliminarAcredito que no meio disto tudo ela pelo menos tenha sorrido e abanado a cabeça a pensar "o que é que aquela está para aqui a dizer!?!?" ahahahahah
Espetacular a forma como descreves o lado de fora. Posso garantir que, do de dentro, cada palavra de incentivo é ouro.
ResponderEliminarA do Porto no ano passado foi imbatível, com tanta chuva, tanta gritaria, mas a de Aveiro não se ficou nada atrás.
Os cordões nas Gafanhas ou na Barra vão ficar para sempre comigo.
Honestamente, estava sempre a pedir apoio, a despertar os "adeptos". Na maratona parece que me transformo num "animal", esbracejo, incentivo, vibro. Acho que é o poder dessa prova.
E poucos percebem o efeito que têm em nós, corredores.
Ler o testemunho do outro lado da "barricada" é formidável digno de elogios.
Só me recordo de ter visto uma senhora com um carrinho de bebé ao km 38. Portanto, julgo que não tenhas sido tu, talvez estivesses perto da Fábrica da Ciência ou não estivesses lá ainda quando passei, mas entre o km 37 e o 40 foi quando senti mais falta do calor das pessoas.
Obrigado pelo apoio e pela partilha.
Ainda bem que do lado de dentro estes incentivos surtem efeito, é mesmo para isso que eles servem. Sei que nas minhas meias maratonas senti igualmente essa força, às vezes ao ler um simples cartaz. Nunca me hei de esquecer, na meia do Porto, uma velhota a segurar um cartaz ao km 19 creio, que dizia: "não tenhas pressa, já não ganhas nada". O que eu me ri com aquilo, durante umas boas dezenas de metros até me esqueci das dores!
EliminarEu lembro-me da senhora com o carrinho de bebé, estive algum tempo perto dela mas depois deixei de a ver. Possivelmente passaste numa altura em que ainda não estava ou estava "ocupada" a correr com alguém ou a colocar o spray. Certamente teremos outras oportunidades, até porque daqui a uma semana vou viver para o Porto e conto estar "de serviço" do lado de fora na maratona! :)